Voltando um pouco atrás e reflectindo sobre o que li no blog carris de Rui Barbosa no seu post de quinta-feira, 18 de Fevereiro de 2010 - O despovoamento da Peneda-Geres, e posteriores comentários de Jorge Louro (notasparaomeudiario), sobre o que seria hoje o PNPG com e sem a acção dos habitantes locais e dos Serviços Florestais, e aproveitando a transcrição feita pelo Rui, gostaria também de enquadrar um pouco mais o que eram as acções de reflorestação em fins do Sec. XIX e princípios do Sec. XX.
Com efeito, Portugal no fim do Sec. XIX era um pais desflorestado, tendo na altura sido criada uma corrente, com a criação dos Serviços Florestais, para a reflorestação e posterior recolha desses mesmos dividendos, corrente essa que apesar de estarmos já nos últimos anos de monarquia, era já uma iniciativa de organizações republicanas.
Para o efeito foi criado a Festa da Arvore, uma manifestação de apreço e reconhecimento para com as florestas que eram destinadas a promover junto do ensino primário popular essa nova tendência.
“Ilustração Portugueza” n.º 425, 13 de Abril de 1914, n.º 479, 26 de Abril de 1915
Abaixo transcrevo uma carta enviada a 17 de Março de 1912, por Daniel Neiva d’Oliveira Maciel onde é feita uma descrição da Festa da Arvore:
MINHA MADRINHA
Recebi a sua cartinha que, estimei por saber que todos tem saúde. Nós vamos passando sem novidade graças a Deus.
No dia 9 do corrente tivemos aqui a Festa da Árvore. O Inspector pediu a todos os professores que fizessem a festa: a Câmara Municipal ofereceu duas árvores que não conhecemos; plantámos mais duas oliveiras, uma cerejeira e um castanheiro, tudo no largo, à fase do rêgo, próximo do nosso lugar do Nelo.
Saímos ordenados 2 a 2 com instrumentos para a plantação, enxadas, alviões, pás de ferro, serrotes e tesouras; a família da escola feminina também incorporaram mas estas sem instrumentos.
A tuna cá da terra acompanhava tocando as melhores do seu repertório.
No local estava construído um modesto pavilhão de baixo do sobreiro da Margarida e foi bom porque a tarde fazia um sol picante.
O nosso professor fez a sua alocução aos alunos sobre o préstimo das árvores e a seguir ia subindo ao modesto pavilhão, mas rico de ramos e folhas, cada criança do sexo masculino recitar a sua poesia. Ao terminar a recitação cantavam o hino das escolas acompanhadas por instrumentos musicais. Subiram ao tal pavilhão 20 crianças; eu também subi; a poesia que recitei vai por cópia junto a esta para a madrinha ver se é linda.
Em seguida plantamos as árvores e a tuna sempre tocando; terminado o acto fomos comer uma arroba de figos, pão e vinho; e neste último acto não havia rapaz preguiçoso … A professora também serviu as meninas do mesmo modo mas em outro
lugar, no Coverto, ao norte.
Continuamos com a atada das vinhas …
Daniel Neiva d’Oliveira Maciel
Variadíssimas Festas da Arvore foram feitas por este Portugal tendo as mesmas caído em esquecimento em meados de 1915 já em plena Republica.
Republica essa que as impulsionou criando grandes campanhas nacionais de esclarecimento dos cidadãos.
Essas campanhas, dificilmente terão encontrado eco nas zonas rurais, ou no Portugal profundo como agora são apelidadas, tendo os movimentos mais conservadores criado grandes obstáculos à realização das mesma através de boicotes, campanhas na imprensa e arranque de arvores.
Abaixo transcrevo notícia publicada no Jornal de Guimarães em 1914:
O MAL GERA O MAL
As árvores plantadas pelas crianças das escolas foram arrancadas e lançadas a terra pelos que teimam em ver na Festa da Árvore um culto pagão e não um culto de civismo.
Este facto, como é natural, indignou profundamente todos quantos não andando obsecados por idolatrias dogmáticas, sentem a utilidade, a benéfica influência na educação infantil e até no próprio espírito do povo, da realização de festas como a da
árvore.
Pode enfim esse bando escuro do retrocesso manobrar à vontade, mandando arrancar, cortar, lançar por terra as amigas ebenfazejas árvores que os batalhões infantis alegre e festivamente plantaram aos olhos de uma multidão comovida e contente que sem por isso a festa querida deixará de realizar-se, aqui e em todo o país, numa apoteose de luz, de amor e de verdade!
Que mal encerra dizer à criança que deve amar a terra, que deve fertilizá-la pelo seu esforço, que deve ungi-la com a graça dos seus hinos e cânticos?!
Não tem padres a festa, nem nela se observa a liturgia romana? E é isso coisa necessária para que a árvore crie raízes, cresça, lance a ramagem, frutos e flores?
Não surgiu a Festa da Árvore por uma mera especulação teórica. A festa da árvore teve e tem em vista, não satisfazer simbolismos novos, liturgias novas, mas criar fontes de riqueza.
Aprendam no exemplo de S. Francisco de Assis a amar a Deus nas plantas, nos animais, em todas as coisas da criação!
Jornal de Guimarães, 1914
As Festas da Arvore eram também consideradas pelos conservadores apoiados pela Igreja, como manifestações pagãs (?!) e exploradas pelo sectarismo maçónico (?!).
E a minha reflexão sobre esta troca de ideais entre o Rui e o Jorge (que aproveito para congratular pelo excelente serviço publico que prestam e que em mim particularmente contribuíram para um aumento de curiosidade sobre a historia que envolve os povos geresianos) incide exactamente aí, ou seja, até que ponto a Igreja e seus sacerdotes, na altura quase tão regentes como o próprio Rei, teriam tido um papel de desinformação nas comunidades locais levando-as a esses actos extremistas e pouco lúcidos?
Não querendo estar a desculpabilizar o Estado e o Serviços Florestais, pois arrancaram as terras às populações e nunca foram devidamente educativos no sentido de lhes ter sido apresentado a vertente positiva da reflorestação do Geres e serras adjacentes e de nunca terem aproximado devidamente as populações a essa mesma reflorestação e posterior conservação.
Aproximação essa que talvez devesse ter incidido no que a Matta lhes poderia no futuro valer e consequentes proveitos económicos que substituíssem o que lhes foi retirado (mas isso já são outras conversas...).
Assim sendo, acabo só este meu delírio a pensar que pau que nasce torto jamais se endireita e o nascimento torto desta tendência florestal do fim do Sec. XIX não terá o habitual dedo conservador e as vezes cego, da Igreja Católica???
4 comentários:
Em primeiro gostaria de dizer que adorei o site e a iniciativa de informar como refletirem sobre o Parque nacional da Peneda Gerês, achei engraçado a comparação entre a igreja e a reflorestação, e sempre bom recordar-mos o passado . apesar de no presente a igreja pouco ou nada tem haver com a reflorestação, mas sim o estado e a propria instituição , existiram projectos e fundos vindo da união europeia mas esses projectos exigem burocracia extrema e o parque nao facilita , e quando falas que as pessoas os habitantes deviam ser formados e educados nesses sentido , estás enganado, os habitantes sabem o quanto é importante para eles as arvores , quem devia ser formando era o director do parque nacional, nao sei se sabes mas existem areas em que nem era necessario a reflorestação (ja que o problema é financeiro ), mas sim uma limpeza de mata, pois se limpar mos , os pinheiros ou outras arvores crescem , o problema é que nao existe essa limpeza. quando fores pela serra repara se nao vês pinheiros ou outras pequeninos a ser "engolidos" . e mais uma vez digo te que as pessoas do parque nacional tem consciencia das desvantagens que o proprio trouxe a essa serra, por exemplo há 20 anos atras na serra amarela possivelmente existiam 3000 cabras como garranos, ou vacas , que pernoitavam na serra , e que estes animais seriam os que "limpavam" (comer) as proprias ervas e arvores que nao deixavam crescer os carvalhos pinheiros etc, hoje existem 200 +- pois o parque colocou tantas regras, como animais selvagens, que matam as cabras overlhas etc. os habitantes nao precisam de formação para preservar, eles preservaram durante anos , aquilo que desde que o parque nacional se inseriu naquelas serras só tem destruido, por falta de organização como de interesses, para uns concelhos e desinteresses para outros..
Olá Alice,
O meu post não quis de forma alguma argumentar que a população não estava devidamente consciente do "tesouro" que tinha em mãos. O que digo é que na altura da entrada dos serviços florestais nas areas do Geres foi coincidente com tendencias totalmente opostas. De um lado os monarcas conservadores e do outro os liberais republicanos. Nesse sentido era essencialmente atribuido à nova tendencia republicana esses actos "liberais" de plantação de arvores, etc. Ora a igreja, sempre reconhecida pelo seu conservadorismo, terá sido também um dos polos repelentes à reflorestação e firmemente usada pelos conservadores nessa ideia de que tudo o que é novo é mau.
Ao contrario do que a Alice diz, em finais do sec. XIX, a serra do Geres era um descampado, com excepção das matas que ainda hoje reconhecemos como importantes (Albergaria, Cabril, etc), pois todas as areas circundantes eram anualmente queimadas para darem origem a pastos, inviabilizando assim o crescimento de arvores, salvo raras excepções (é uma constatação e não uma opinião).
Nao pretendo aqui estar a dar a minha opinião, principalmente sobre um assunto tão especifico e sobre o qual tenho apenas a informação de um curioso cidadão comum. A ideia aqui é fazer ver que a resistência das populações locais aos serviços florestais de então teve tambem (e muito) a ver com questões politicas e consequentemente religiosas.
Mas a historia é sempre discutivel e não deixa de ser curioso mencionar que à presente data a população da PNPG acaba por ter "saudades" dos serviços florestais em contraste com o actual PNPG.
Obrigado pela visita!
Olá!
Talvez quando falas da serra do Gerês, estejas só a falar mesmo só da serra do Gerês, e não da serra amarela, serra de Soajo, serra da Peneda , até porque a serra do Gerês como uma parte da serra da Peneda são áreas de ambiente natural( ocupam uma área de 24.000 h) enquanto que as outras são de ambiente rural(área 46.000 h) tens razão quando dizes que uma parte da serra do Gerês em finais do sec. XIX. era um descampado, seja politicamente ou religiosamente as coisas mudaram surgiu em 1971 0u 72 a barragem de vilarinho das furnas , a barragem de Lindoso, na década de 60 houve uma afluência na imigração, quando voltaram as pessoas construíram, claro que na altura não pensavam em reconstruir ou manter o aspecto arquitectónico, quando referes os guardas florestais nos anos 40/60 foi os anos em que pessoas no ambiente rural do parque Nacional da Peneda Gerês mais trabalharam no corte dos pinheiros como subsistência os guardas limitava se a ter uma vida óptima :) deves pensar que a corrupção surgiu em 2010 :) é claro que as coisas eram diferentes, não havia uma organização, meio de comunicação, turismo. Concordo que haja um aproveitamento e claro valorização dos recursos naturais até porque existem 11.000 habitantes, mas os guardas florestais que são substituídos por os GIPS, limitam-se a circular na estrada, e os pastores continuam anualmente a fazer queimadas, apesar da diminuição significativa de pastores, estes sabiam controlar o fogo, e em que época do ano deveriam fazer as queimadas porque não lhes interessava queimar os pinheiros ou outras arvores , mas neste momento o clima também mudou, existem muitas variáveis que os habitantes, não estão informados, claro que grande parte dos incêndios é de mão criminosa, e por interesses particulares e o Parque Nacional sabe perfeitamente dessas situações. Não podemos falar de um passado/futuro sem nunca ter vivido numa aldeia do interior, e ver a luta constante que aqueles habitantes atravessam á décadas, pois a única solução era a imigração e eles foram os sobreviventes.
Olá
Talvez quando falas da serra do Gerês, estejas só a falar mesmo só da serra do Gerês, e não da serra amarela, serra de Soajo, serra da Peneda , até porque a serra do Gerês como uma parte da serra da Peneda são áreas de ambiente natural( ocupam uma área de 24.000 h) enquanto que as outras são de ambiente rural(área 46.000 h) tens razão quando dizes que uma parte da serra do Gerês em finais do sec. XIX. era um descampado, seja politicamente ou religiosamente as coisas mudaram surgiu em 1971 0u 72 a barragem de vilarinho das furnas , a barragem de Lindoso, na década de 60 houve uma afluência na imigração, quando voltaram as pessoas construíram, claro que na altura não pensavam em reconstruir ou manter o aspecto arquitectónico, quando referes os guardas florestais nos anos 40/60 foi os anos em que pessoas no ambiente rural do parque Nacional da Peneda Gerês mais trabalharam no corte dos pinheiros como subsistência os guardas limitava se a ter uma vida óptima, deves pensar que a corrupção surgiu em 2010 :) é claro que as coisas eram diferentes, não havia uma organização, meio de comunicação, turismo. Concordo que haja um aproveitamento e claro valorização dos recursos naturais até porque existem 11.000 habitantes, mas os guardas florestais que são substituídos por os GIPS, limitam-se a circular na estrada, e os pastores continuam anualmente a fazer queimadas, apesar da diminuição significativa de pastores, estes sabiam controlar o fogo, e em que época do ano deveriam fazer as queimadas porque não lhes interessava queimar os pinheiros ou outras arvores , mas neste momento o clima também mudou, existem muitas variáveis que os habitantes não estão informados, claro que nestes ultimos anos a maior parte dos incêndios é de mão criminosa, e por interesses particulares, e discordias com o Director do Parque e o Parque Nacional sabe perfeitamente dessas situações. Não podemos falar de um passado/futuro sem nunca ter vivido numa aldeia do interior, e ver a luta constante que aqueles habitantes atravessam á décadas, pois a única solução era a imigração e eles foram os sobreviventes.
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